sábado, 14 de abril de 2012


Derby com travo a Scotch

O que têm em comum Lisboa, Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Paulo, Milão, Roma, Glasgow, Atenas, Londres, Liverpool ou Istambul? São capitais? Nem todas... Têm praias? Nem todas... Há algo mais forte que as une: são todas palco dos maiores e mais apaixonantes derbies à face da terra! Derby é a expressão há largos anos importada de terras de sua majestade para definir os embates entre dois clubes da mesma cidade que ao longo de largos anos foram construindo uma rivalidade que se estende muito para lá das quatros linhas. Tudo é motivo de despique. Tudo se discute. Quem tem mais títulos? Qual o estádio mais bonito? Quem tem mais adeptos? Quais os adeptos mais fiéis? As clivagens são permanentes e inevitáveis.

Mas não haverá um traço comum entre estes adeptos? Um ponto de indubitável concórdia? Claro que sim: a paixão... Paixão não só no sentido mais imediato de amor ao respectivo clube mas também como contraposição à racionalidade com que se vive o dia-a-dia mas que fica descurada quando a bola começa a rolar ou sempre que a rivalidade vem ao de cima. A paixão naquela primeira acepção justifica, por exemplo, o êxtase que sentimos com as vitórias e glórias do nosso clube, explica a saudade que nos invade sempre que ficamos demasiado tempo sem ver o nosso clube jogar, mas também se manifesta nas noites mal dormidas, perda de apetite, e demais sintomas habituais em momentos de derrota. Já a paixão no segundo sentido confunde-se com loucura e irracionalidade. Aquela que explica a visão deturpada dos lances polémicos (quase) sempre a favor do nosso clube (por muito que as imagens evidenciem o contrário), justifica os cabelos arrancados, os objectos partidos e incontáveis outras atitudes irreflectidas.

E que dizer dos derbies em si? Cada desafio é único, irrepetível, e representa uma nova página na história dos eternos rivais. São estes jogos que imortalizam jogadores, definem treinadores e prendem os amantes do futebol... mesmo aqueles que não são adeptos dos clubes em contenda! No entanto, não raras vezes, aquilo que se eterniza na memória não é o resultado em si mas antes uma finta desconcertante, um corte in extremis, uma defesa impossível… um momento!

E foi um destes momentos, protagonizado por um técnico escocês, num derby escaldante, que o imortalizou para sempre na história do clube e principalmente na lembrança daqueles que observaram aqueles instantes. O técnico: Graeme Souness. O derby: Galatasaray – Fenerbahce.





Tudo ocorreu a 24 de Abril de 1996, em jogo a contar para a 2ª mão da Final da Taça da Turquia. Após jogar a 1ª mão em casa, no estádio Ali Sami Yen, a equipa orientada por Graeme Souness partiu para a 2ª mão com uma vantagem de 1-0 sobre os rivais do Fenerbahce. Fazendo valer o factor casa, o Fenerbahce consegue vencer o Galatasaray igualmente por 1-0 obrigando a um prolongamento para definir o vencedor. Nesse prolongamento a equipa de Graeme Souness superioriza-se e logra o empate 1-1, arrebatando a Taça da Turquia em pleno estádio inimigo. A apoteose é grande entre jogadores, técnicos e dirigentes do Galatasaray. Entre os rituais de festejo está uma bandeira a circular de mão em mão pelos elementos da equipa vencedora… Até que chega às mãos de Souness. Nesse momento, e após ser provocado por um dirigente do Fenerbahce que o chamou de “aleijado” (em alusão a uma intervenção cirúrgica a que recentemente havia sido sujeito), Souness corre para o centro do relvado e espeta a bandeira do Galatasaray no círculo central, mesmo no coração do território inimigo, como se de um conquistador se tratasse.




Mais do que o resultado, mais do que o título, foi aquele momento que notabilizou a etapa de Souness enquanto técnico do Galatasaray. Tudo graças à rivalidade, à paixão... a um derby com travo a Scotch!

7 comentários:

Luís disse...

Não sabia! Fazer isso na Turquia e viver para contar é material para o CV de qualquer um lol

Já não me devo lembrar muito bem, mas o Souness cá até deixou uma imagem de gentleman não foi? Há algum episódio estranho cá?

Miguel Tavares de Pinho disse...

Episódios etsranhos de cá? Contratar o Michael Thomas, ou o Gary Charles...

Miguel Tavares de Pinho disse...

Relativamente ao post em si, também desconhecia essa história. De facto, o futebol leva-nos a tomar atitudes irreflectidas, mas imbuídas de paixão e simbolismo.

Falcão disse...

o Souness, ainda que um gentleman, já havia tido uns episódios de rebeldia enquanto treinador dos Rangers também... por cá não teve nada de extraordinário a não ser aquela célebre conferência de imprensa em que disse que o Thomas "has big balls"... lol

Luís disse...

Michael Thomas era jogador de CM2 lool

É a arena moderna onde um zé-ninguém se pode transformar em herói! Este episódio é brilhante mesmo.

Anónimo disse...

Se tivessemos um treinador ou jogadores que nos derbies fizessem aquilo, eram os maiores! Mas só temos panhonhas que os perdem sem dó nem piedade.

JP disse...

Desconhecia este episódio. Épico, mesmo.