sexta-feira, 20 de abril de 2012

O Efeito Salenko

Oleg Anatolyevich Salenko. Para muitos, este ex-futebolista russo será meramente um ilustre desconhecido, mas para os conhecedores do desporto rei, e obviamente para a estatística, será sempre associado ao facto de ter sido o melhor marcador do Mundial '94, que se disputou nos E.U.A., com seis tiros certeiros, permitindo-lhe fazer parte do restrito lote de goleadores como Mario Kempes, Paolo Rossi, Ronaldo ou Miroslav Klose.

Porém, tal feito foi conseguido em moldes algo peculiares. A Rússia não logrou sequer passar da fase de grupos (Brasil, Camarões e Suécia completavam o grupo), pelo que bastaram três jogos para Salenko entrar nos livros de História do Desporto. Para ser mais preciso, bastaram dois jogos. O russo marcou o seu primeiro golo na derrota frente à Suécia (1-3), tendo completado o pecúlio contra os Camarões, na rotunda vitória do colectivo de leste por uns esclarecedores 6-1, onde Salenko acertou por cinco (!) vezes nas redes da baliza contrária.
Salenko no momento do 5º golo frente aos Camarões

Mas quem era Salenko e porque pouco ou nada se ouviu falar dele após o referido Campeonato do Mundo? A culpa é do chamado "efeito Salenko", ou se preferirem, a "síndrome da estrela cadente", que afecta vários jogadores por esse mundo fora. Temos como exemplo o checo Milan Baros (que muito prometia, tendo feito um fantástico Euro 2004, onde se sagrou o melhor marcador com cinco golo), que nunca passou de um jogador mediano, bem como o herói do Itália '90, Toto Schillaci. São jogadores de torneios de curta duração, que por mero acaso estavam a viver um saudável momento de forma, aproveitando assim - merecidamente - para ascender ao estrelato e às luzes da ribalta.

Aquando do Campeonato do Mundo americano, Salenko jogava já em Espanha, no modesto Logroñés, onde conseguiu ter algum sucesso (23 golos em 47 jogos), após ter brilhado ao serviço do Dinamo Kiev. O excelente Mundial valeu-lhe uma transferência para um dos grandes do país vizinho, o Valência, onde porém só conseguiu aguentar uma época, sem grande brilhantismo, tendo-se transferido na temporada seguinte para os protestantes de Glasgow, o Rangers, onde também só assentou bagagens por uma época. Após mais uma época muito aquém das expectativas para um Bota de Ouro, continuou a sua carreira no pouco exuberante Istanbulspor, da Turquia, tendo depois voltado a Espanha, para o Córdoba. Viria a acabar a outrora prometedora carreira no quase anónimo Pogon Szczecin, da Polónia.

O Efeito Salenko é, em resumo, algo que se pode descrever como uma carreira mediana, polvilhada por um curto espaço de tempo - normalmente coincidente com um Mundial ou um Europeu - no qual o jogador atinge um brilho intenso, capaz de prometer mundos e fundos e deixando o mercado "de cabeça perdida", para depois voltar ao patamar mediano que no fundo o caracteriza. É futebol, faz parte do jogo.

sábado, 14 de abril de 2012


Derby com travo a Scotch

O que têm em comum Lisboa, Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Paulo, Milão, Roma, Glasgow, Atenas, Londres, Liverpool ou Istambul? São capitais? Nem todas... Têm praias? Nem todas... Há algo mais forte que as une: são todas palco dos maiores e mais apaixonantes derbies à face da terra! Derby é a expressão há largos anos importada de terras de sua majestade para definir os embates entre dois clubes da mesma cidade que ao longo de largos anos foram construindo uma rivalidade que se estende muito para lá das quatros linhas. Tudo é motivo de despique. Tudo se discute. Quem tem mais títulos? Qual o estádio mais bonito? Quem tem mais adeptos? Quais os adeptos mais fiéis? As clivagens são permanentes e inevitáveis.

Mas não haverá um traço comum entre estes adeptos? Um ponto de indubitável concórdia? Claro que sim: a paixão... Paixão não só no sentido mais imediato de amor ao respectivo clube mas também como contraposição à racionalidade com que se vive o dia-a-dia mas que fica descurada quando a bola começa a rolar ou sempre que a rivalidade vem ao de cima. A paixão naquela primeira acepção justifica, por exemplo, o êxtase que sentimos com as vitórias e glórias do nosso clube, explica a saudade que nos invade sempre que ficamos demasiado tempo sem ver o nosso clube jogar, mas também se manifesta nas noites mal dormidas, perda de apetite, e demais sintomas habituais em momentos de derrota. Já a paixão no segundo sentido confunde-se com loucura e irracionalidade. Aquela que explica a visão deturpada dos lances polémicos (quase) sempre a favor do nosso clube (por muito que as imagens evidenciem o contrário), justifica os cabelos arrancados, os objectos partidos e incontáveis outras atitudes irreflectidas.

E que dizer dos derbies em si? Cada desafio é único, irrepetível, e representa uma nova página na história dos eternos rivais. São estes jogos que imortalizam jogadores, definem treinadores e prendem os amantes do futebol... mesmo aqueles que não são adeptos dos clubes em contenda! No entanto, não raras vezes, aquilo que se eterniza na memória não é o resultado em si mas antes uma finta desconcertante, um corte in extremis, uma defesa impossível… um momento!

E foi um destes momentos, protagonizado por um técnico escocês, num derby escaldante, que o imortalizou para sempre na história do clube e principalmente na lembrança daqueles que observaram aqueles instantes. O técnico: Graeme Souness. O derby: Galatasaray – Fenerbahce.





Tudo ocorreu a 24 de Abril de 1996, em jogo a contar para a 2ª mão da Final da Taça da Turquia. Após jogar a 1ª mão em casa, no estádio Ali Sami Yen, a equipa orientada por Graeme Souness partiu para a 2ª mão com uma vantagem de 1-0 sobre os rivais do Fenerbahce. Fazendo valer o factor casa, o Fenerbahce consegue vencer o Galatasaray igualmente por 1-0 obrigando a um prolongamento para definir o vencedor. Nesse prolongamento a equipa de Graeme Souness superioriza-se e logra o empate 1-1, arrebatando a Taça da Turquia em pleno estádio inimigo. A apoteose é grande entre jogadores, técnicos e dirigentes do Galatasaray. Entre os rituais de festejo está uma bandeira a circular de mão em mão pelos elementos da equipa vencedora… Até que chega às mãos de Souness. Nesse momento, e após ser provocado por um dirigente do Fenerbahce que o chamou de “aleijado” (em alusão a uma intervenção cirúrgica a que recentemente havia sido sujeito), Souness corre para o centro do relvado e espeta a bandeira do Galatasaray no círculo central, mesmo no coração do território inimigo, como se de um conquistador se tratasse.




Mais do que o resultado, mais do que o título, foi aquele momento que notabilizou a etapa de Souness enquanto técnico do Galatasaray. Tudo graças à rivalidade, à paixão... a um derby com travo a Scotch!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Bélgica: the next big thing

Jean-Marie Pfaff, Jan Ceulemans, Enzo Scifo, Eric Gerets, Frank Vercauteren. Qual o elo de ligação entre todos estes nomes? Fácil. A geração de ouro belga que brilhou na Europa e no Mundo nos anos 80, atingindo, por exemplo, o quarto lugar no México'86. Após esta talentosa fornada de jogadores, a Bélgica viveu um "apagão" até aos dias de hoje, com participações pontuais em grandes torneios, tendo no entanto oferecido ao mundo de futebol outras grandes estrelas, como o nosso bem conhecido Michel Preud'homme (que durante alguns anos foi um verdadeiro "abono de família" no Benfica), o goleador Luc Nilis, ou o estratega Marc Wilmots, que após o término da carreira futebolística, abraçou a política, tendo mesmo chegado a deputado.

É certo e sabido que o sucesso das selecções nacionais depende em grande parte das tão propaladas "gerações de ouro". Temos o exemplo da nossa Selecção Nacional, mas não só: a grande e igualmente surpreendente Dinamarca de 1992, a Roménia de 1994, a França de 1984 e do final do século XX, entre outras. E quem sabe, de 2012 em diante, a Bélgica. É a minha grande aposta. E porquê?

Não obstante o insucesso nos jogos de qualificação para o Euro 2012 - quiçá alguma inexperiência em virtude da juventude de muitos dos seus jogadores - a verdade é que a Bélgica é uma das selecções europeias que reúne o maior número de jovens jogadores de elevadíssima qualidade, sendo que a maior parte já alinha no onze inicial de grandes clubes europeus.

Assim, começando pela baliza, aparece desde logo o titularíssimo colchonero Thibault Courtois (que pertence aos quadros do Chelsea), de apenas 19 anos. Apesar de nos últimos jogos internacionais o titular ter sido o igualmente jovem de valor Simon Mignolet (Sunderland), o guarda redes do Atlético Madrid parece estar destinado a grandes voos. Literalmente.

Na defesa, evolui do lado direito um central adaptado, Toby Alderweireld, titular do Ajax, sendo que na lateral oposta tem jogado o gunner Thomas Vermaelen. A razão para este excelente defesa central ter sido "encostado" ao lado esquerdo prende-se justamente com o excesso de qualidade no centro da defesa, uma vez que a dupla Jan Verthongen (Ajax) e Vincent Kompany (Manchester City) são garantia de solidez e qualidade defensiva. Seria uma pena qualquer um destes jogadores sentar-se no banco de suplentes, daí a adaptação do jogador do Arsenal, que não tendo todavia a mesma intensidade de jogo que teria se jogasse a central, é no entanto uma opção muito mais válida que qualquer outra alternativa para essa vaga.

Axel Witsel

Por sua vez, no meio campo, abunda o talento em quantidade: no centro do terreno a Bélgica usufrui de jogadores como Axel Witsel (Benfica), Steven Defour (FC Porto), Radja Nainggolan (Cagliari), ou Marouane Fellaini (Everton). A número 10, talvez o melhor jogador belga dos últimos 20 anos: Eden Hazard, de apenas 21 anos, que espalha magia no campeonato francês, ao serviço do campeão em título, o Lille. Frequentemente comparado a Zidane, Eden Hazard é já ardentemente cobiçado pelos grandes emblemas europeus, algo que se explica muito facilmente tendo em conta o binómio qualidade/juventude. Uma pérola a seguir com toda a atenção!

Eden Hazard

Do lado esquerdo do ataque poderá surgir Kevin De Bruyne, jogador de uma virtuosidade técnica e de uma rapidez impressionantes, que evolui no Racing Genk, tendo já no entanto sido contratado pelo Chelsea para a época 2012/2013. Por seu turno, o lado direito do ataque é normalmente ocupado por falsos extremos, como Moussa Dembelé (Fulham) ou Kevin Mirallas (Olympiakos), jogadores não tão espectaculares e prometedores como os anteriormente mencionados, mas já com alguma experiência internacional e de fiável consistência competitiva.

Romelu Lukaku

Finalmente, no ataque, a selecção belga dispõe do goleador Jelle Vossen (Racing Genk) e da grande promessa do Chelsea, Romelu Lukaku, de 18 anos, um "monstro" de 1,93 e de 95 kg, factores que são todavia enganadores, uma vez que o jovem de ascendência congolesa é dono e senhor de uma técnica requintada e de uma velocidade fora do normal para alguém da sua estampa física. Talvez devido à gritante diferença entre o campeonato belga e a Premier League, Lukaku ainda não evidenciou ao mundo as credenciais que levaram o Chelsea a contratá-lo por €20M ao histórico Anderlecht, clube pelo qual se sagrou o melhor marcador da liga belga com apenas...16 anos. Será apenas uma questão de tempo até manifestar todo o seu enorme potencial.

Face ao exposto, caso as grandes promessas se venham a confirmar como grandes certezas, e com maior experiência e maturidade com o passar dos anos, não tenho dúvidas que a Bélgica se poderá tornar num caso sério no panorama europeu a curto/médio prazo. É esperar para ver.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A Mão de Deus. Não a de Maradona. A de Luis Suárez.


O Campeonato do Mundo é por excelência uma competição propícia a momentos míticos e inolvidáveis, dignas de constar em qualquer manual de futebol. Quem não se lembra do "barrilete cosmico" de Maradona contra os ingleses no México '86? Ou, no mesmo jogo, a famosíssima Mão de Deus? Porém, outra Mão de Deus teve lugar no último torneio em 2010, tendo como protagonista o uruguaio do Liverpool, Luis Suárez.

Quartos de final do Mundial da África do Sul, encontram-se frente a frente duas das equipas sensação do certame. De um lado, o Gana, personificação do futebol perfumado e tecnicista tão característico daquela zona de África, onde despontavam figuras como Asamoah Gyan, Kevin Prince Boateng ou Sulley Muntari. Do outro, a equipa da moda, o Uruguai, envergando a camisola albiceleste jogadores Luis Suárez, Diego Forlán ou Edinson Cavani.

Após os primeiros noventa minutos de um jogo intenso e bem disputado, o marcador assinala um empate a um golo: aos 45' Muntari adianta a equipa africana no marcador, dando ao Gana a esperança legítima de tornar-se na primeira equipa daquele continente a alcançar as meias finais de um Mundial. Porém, aos 55', o inevitável Forlán iguala a contenda, atirando o jogo para prolongamento. Nesta fase do jogo, não obstante estarmos a assistir a um embate repartido e muito equilibrado, o nulo persiste de forma indelével, até que, aos 120 minutos, precisamente no último momento do jogo, eis que o drama acontece: numa jogada de insistência do ataque ganês, após um livre lateral, Dominic Adiyiah cabeceia para o golo...que não é golo porque Luis Suárez faz o papel de Muslera e defende - literalmente - a bola em cima da linha de golo. Que melhor drama épico para uns quartos de final de um Mundial de Futebol? Suárez expulso e penalty no último minuto do prolongamento. O uruguaio sai do relvado lavado em lágrimas, plenamente convencido da iminente eliminação do seu país. Não obstante, quiçá iluminado por uma vã esperança, não vai directamente para os balneários, preferindo ficar a assistir ao desfecho do jogo, junto ao túnel...


Os ganeses rejubilam, personificados na sua grande figura, Asamoah Gyan, que se prepara para bater a grande penalidade e assim escrever uma linda página na História desportiva do Gana. Mas a vida - e o futebol - tem um sentido de humor muito próprio: na sequência da marcação do penalty, a bola esbarra na trave, volatilizando o sonho de todo um povo. Ao olhar para o rosto de Gyan e dos seus companheiros, poderíamos jurar que tinham sido eles próprios a embater contra o ferro superior da baliza, e não uma simples Jabulani, que num segundo trazia com ela toda a esperança de uma nação, para no momento seguinte se traduzir na descrença e no desespero total.

Suárez sabia o que ia acontecer. Só pode. Até hoje estou convencido disso. O uruguaio esquece todas as convenções e corre para o meio do relvado em êxtase total, abraçando tudo e todos, tornando-se no herói improvável de uma noite mítica. No desempate por grandes penalidades que se seguiu, o Uruguai acabou por vencer, apesar de o mesmo Gyan, numa demonstração impressionate de carácter, ter marcado (e que bem marcado!) o primeiro pontapé do desempate. E quem foi a figura de jogo? Suárez, pois claro. A nova Mão de Deus.

The Beautiful Game

Já dizia Bill Shankly, num dos maiores clichés usados no mundo da bola, que "O futebol não é uma questão vida ou de morte. É mais que isso". Não obstante o referido lugar comum, a verdade é que o futebol, para quem o ama e para quem verdadeiramente o sente, é um estado de alma, um modo de vida. Não só devido àquela equipa que significa tudo para nós, pela qual torcemos desde que nos lembramos da nossa própria existência, mas também pela beleza intrínseca e intemporal de um slalom de Eusébio, da mão de Deus de Maradona, do futebol total da Holanda de Cruyjff, de um remate certeiro de Gerd Müller, de um golo impossível de Van Basten, ou de mais uma defesa fantástica de Walter Zenga.

Futebol é isto. É arte, é paixão, é vida. E é através deste projecto conjunto, despretensioso mas sério, que procuraremos demonstrar a nossa paixão pelo jogo mais bonito do mundo. The Beautiful Game!