É cada vez mais comum ouvir dizer-se que "antigamente é que existia futebol a sério". Bem...tal afirmação não é inteiramente verdade, uma vez que, como é do conhecimento geral, estamos hoje em dia perante equipas que praticam um futebol de elevado quilate, como é o caso do Barcelona, do Real Madrid, da selecção espanhola (que no fundo é uma mescla das duas equipas atrás citadas), do Bayern Munique, do Manchester United, só para citar alguns colossos. Porém, compreendo perfeitamente o que querem dizer quando proferem a expressão atrás mencionada: significa que pelo menos há cerca de duas décadas atrás o futebol era mais puro, mais justo, mais...futebol!
Com efeito, em 1996 a Lei Bosman veio transfigurar completamente o mundo do futebol, ao abolir as fronteiras das ligas europeias aos jogadores comunitários. Se antes de ter sido feito jurisprudência com esta Lei, os clubes eram obrigados a cumprir escrupulosamente um rígido limite de jogadores estrangeiros por plantel, a partir de 1996 passou a ser possível uma equipa alinhar com 11 jogadores estrangeiros, se assim lhe aprouvesse. Obviamente que estas novas condições beneficiaram em grande parte os clubes com maior poderio financeiro, que passaram finalmente a poder contratar enormes contingentes de estrelas oriundas de além fronteiras para reforçar e abrilhantar os já de si ricos plantéis. Falo, em particular, das ligas espanhola, inglesa e italiana, que no final do século XX cresceram exponencialmente em virtude da nova "regra".
Por outro lado, os clubes mais pequenos, ou aqueles de ligas mais periféricas - como é o caso do campeonato português - foram manifestamente prejudicados. Em primeiro lugar, porque se antes de 1996 os melhores jogadores portugueses estavam quase todos concentrados em território nacional, após essa data tal facto deixou de ser possível, face ao vislumbre de salários e desafios aparentemente mais atractivos noutras paragens. Em contrapartida, começámos a assistir à chegada em catadupa de jogadores estrangeiros ao nosso campeonato, a esmagadora maioria de qualidade bastante duvidosa, que desvirtuaram completamente a mística dos clubes nacionais. Infelizmente, este fenómeno não se cingiu a Portugal, tendo-se antes alargado a países que no passado contaram com equipas bastante competitivas, como foi o caso da Roménia (e o grande Steaua de Bucareste dos anos 80), da ex-Jugoslávia (do mítico Estrela Vermelha) ou até da França e da Holanda. A questão é que com a Lei Bosman, muito dificilmente o Ajax poderia voltar a contar com um elenco onde figuravam jogadores como Van der Sar, Davids, Seedorf, os irmãos de Boer, Kluivert, Overmars, entre outros, que levantaram o ceptro europeu em 1995. E desde quando poderá o Estrela Vermelha de Belgrado - campeão europeu em 1991 - contar com atletas da igualha de Mihajlovic, Belodedici (que também já havia sido campeão europeu pelo Steaua de Bucareste), Pancev, Prosinecki, Savicevic ou Jugovic?
Estrela Vermelha de Belgrado - 1991
Todavia, em meados do início do séc. XXI começou a assistir-se a um refreio neste frenesim do "jogador estrangeiro", tendo os campeonatos periféricos começado a crescer de forma sustentada, como é o feliz caso do campeonato português. Afinal de contas, o FC Porto venceu a Taça UEFA em 2003, a Liga dos Campeões em 2004 e a Liga Europa em 2011. Por sua vez, o Sporting e o Sporting de Braga almejaram ser finalistas na segunda competição mais importante da Europa, em 2005 e 2011, respectivamente, e o Benfica tem tido sólidas prestações europeias, apesar de não ter alcançado nenhuma final.
Porém, não há bela sem senão. É que ultimamente têm surgido os "novos ricos" do futebol mundial. A moda pegou com Abramovich e o seu Chelsea, tendo-se alastrado nos últimos tempos ao PSG, ao Manchester City, ao Málaga, ao Shakhtar Donetsk, e mais recentemente ao Zenit. Tratam-se normalmente de equipas sem grande história (talvez com excepção do PSG) que subitamente atingem um sucesso meteórico fruto das excentricidade de um multimilionário aborrecido que não tem onde gastar o dinheiro e decide jogar Football Manager na vida real. Ora, a meu ver, este estado das coisas é perigosíssimo para o futebol, dada a sua deslealdade e desigualdade em termos financeiros, podendo criar sérios desequilíbrios em sede de competições europeias, já sem mencionar as óbvias repercussões a nível interno.
Ibrahimovic no dia da apresentação do novo rico PSG
Por isso eu subscrevo e assino por baixo: antigamente o futebol é que era!